Ultraprocessados fazem cérebro adolescente 'reagir mal' e aumentam o risco de comer em exagero, diz estudo
15/12/2025
(Foto: Reprodução) Cachorro quente
Caled Oquendo/Pexels
Pesquisadores da Virginia Tech mostraram que jovens de 18 a 21 anos, expostos por duas semanas a uma dieta rica em ultraprocessados, comeram mais calorias em um café da manhã “liberado” do que quando passaram o mesmo período comendo só alimentos minimamente processados. Já entre 22 e 25 anos, esse aumento não apareceu.
O estudo, publicado na revista científica "Obesity", sugere que adolescentes tardios podem ser mais vulneráveis ao apelo de ultraprocessados e mais propensos a beliscar mesmo depois de saciados, um comportamento associado a ganho de peso ao longo do tempo.
O que o estudo descobriu
Os pesquisadores da Universidade Virginia Tech reuniram 27 voluntários entre 18 e 25 anos, com peso estável e sem obesidade, para testar como o consumo de ultraprocessados afeta o comportamento alimentar em um cenário de “coma o quanto quiser”.
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Cada participante passou por duas fases de 14 dias:
em uma delas, 81% das calorias vinham de ultraprocessados (refrigerantes, cereais açucarados, snacks industrializados, refeições prontas);
na outra, 0% das calorias vinham desse tipo de produto, com o cardápio baseado em alimentos minimamente processados.
As duas dietas tinham:
a mesma quantidade de calorias, suficiente para manter o peso;
a mesma proporção de carboidratos, gorduras e proteínas;
quantidades semelhantes de fibras, açúcar adicionado, sódio, vitaminas e minerais;
densidade energética parecida (calorias por grama de comida).
Ao fim de cada período, os voluntários eram convidados para um café da manhã tipo buffet, com cerca de 1.800 kcal disponíveis, incluindo opções ultraprocessadas e não ultraprocessadas pareadas em sabor e textura. Eles podiam comer o quanto quisessem em 30 minutos.
No conjunto de todos os participantes, não houve diferença significativa na quantidade de comida ou de calorias ingeridas depois da dieta rica em ultraprocessados em comparação à dieta sem ultraprocessados.
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Por que os mais novos parecem mais vulneráveis
O quadro mudou quando a equipe dividiu os participantes em dois grupos: 18 a 21 anos (adolescentes tardios) e 22 a 25 anos (jovens adultos).
Entre os mais novos:
a ingestão total de calorias no buffet aumentou de forma significativa após as duas semanas de dieta rica em ultraprocessados, em comparação ao período sem ultraprocessados;
esse grupo também mostrou maior tendência a comer no teste de “eating in the absence of hunger” – o beliscar de snacks logo depois do café da manhã, quando já declaravam não estar com fome.
Já entre 22 e 25 anos, não houve aumento significativo de calorias após o período com ultraprocessados.
De acordo com nota divulgada pela universidade, os autores lembram que comer sem fome na adolescência é um forte preditor de ganho de peso futuro. Eles destacam que a exposição aos ultraprocessados parece estimular esse tipo de comportamento nos mais jovens, enquanto os adultos jovens mostraram maior controle.
Os pesquisadores apontam que essa diferença é compatível com o que se sabe sobre o desenvolvimento do cérebro: na adolescência, as áreas ligadas à recompensa e à motivação amadurecem antes das regiões responsáveis pelo controle inibitório. Isso pode fazer com que comidas hiperpalatáveis, baratas e convenientes tenham um apelo maior nessa faixa etária.
O que é considerado ultraprocessado
O estudo usou a classificação Nova, desenvolvida por pesquisadores da Universidade de São Paulo, que organiza alimentos em quatro grupos de acordo com o grau de processamento:
In natura ou minimamente processados – frutas, legumes, grãos integrais, carnes frescas, leite e iogurte natural.
Ingredientes culinários processados – óleos, manteiga, açúcar, sal.
Processados – queijos, pães feitos com poucos ingredientes, conservas simples.
Ultraprocessados – produtos com formulações industriais complexas, cheias de aditivos, aromatizantes, corantes e texturizantes, como refrigerantes, biscoitos recheados, snacks de pacote, sorvetes industrializados e uma parte das refeições congeladas.
Pesquisas observacionais já vinham associando dietas ricas em ultraprocessados a maior risco de obesidade, doenças cardiovasculares e diabetes, inclusive em adolescentes.
Metodologia: como foi feito o experimento (e suas ressalvas)
Para responder se é o ultraprocessado em si – e não apenas calorias a mais – que muda a forma de comer, a equipe da Virginia Tech, liderada pela pesquisadora Maria L. M. Rego, do Departamento de Human Nutrition, Foods, and Exercise, montou um ensaio de alimentação controlada em que:
27 jovens de 18 a 25 anos foram randomizados para começar pela dieta com ou sem ultraprocessados;
cada um seguiu duas dietas diferentes, por 14 dias cada, com 4 semanas de intervalo entre elas;
os cardápios eram desenhados em quatro faixas calóricas e ajustados individualmente para manter o peso, com monitoramento diário na balança;
o café da manhã era consumido no laboratório; almoço, jantar e lanches eram preparados em cozinha metabólica e entregues em embalagens, com checagem do que foi realmente consumido;
a adesão média foi de cerca de 99% em ambas as fases;
biomarcadores na urina (sódio, potássio, nitrogênio) foram usados como verificação objetiva da aderência às dietas.
Pontos fortes:
desenho cruzado e randomizado, que reduz diferenças individuais;
controle rigoroso das dietas, pareando nutrientes e energia para isolar o efeito do processamento;
uso de medidas objetivas de ingestão e de biomarcadores;
avaliação de comportamentos críticos, como comer sem fome.
Ressalvas importantes:
amostra pequena, de um único centro universitário, com participantes saudáveis, em peso estável e, em sua maioria, brancos – o que limita a generalização;
duração curta (14 dias por dieta) e avaliação de apenas um café da manhã “à vontade” e um teste de snacks depois de cada período;
o estudo não simulou um ambiente de acesso contínuo e irrestrito a ultraprocessados, como acontece na vida real;
nenhuma mudança clinicamente relevante de peso foi observada no curto prazo; o risco está no que aconteceria se o padrão de exagerar se mantivesse por meses ou anos.
Os autores destacam que os resultados “sugerem que adolescentes podem ser vulneráveis à exposição aos ultraprocessados, resultando em maior ingestão de energia”, e defendem novos estudos com intervenções mais longas, amostras maiores e inclusão de medidas como hormônios do apetite, sono e neuroimagem.
O que isso significa na prática para o prato dos jovens
Para quem está em casa, a mensagem não é que “duas semanas de ultraprocessado não fazem mal” – até porque o estudo foi feito em condições difíceis de reproduzir no dia a dia: calorias contadas, cardápios montados por nutricionistas, e refeições equilibradas, mesmo na versão ultraprocessada.
Na vida real, a combinação costuma ser:
ultraprocessado + calorias em excesso;
pouco planejamento das refeições;
muitas oportunidades de comer sem fome (streaming, games, festas, delivery 24 horas).
Para adolescentes e jovens universitários, que estão ganhando autonomia e definindo seus hábitos, a pesquisa reforça três recados práticos:
Ultraprocessado todo dia aumenta o risco de exagerar quando a comida está liberada – especialmente entre 18 e 21 anos.
Beliscar sem fome é um alerta: se isso vira regra, o ganho de peso é questão de tempo.
Substituir parte dos ultraprocessados por opções minimamente processadas (frutas, castanhas, iogurte natural, sanduíches com ingredientes simples) ajuda a reduzir o impulso de comer “no automático”.
Os autores defendem que escolas, universidades e políticas públicas considerem a maior vulnerabilidade dos adolescentes tardios na hora de regular a oferta de ultraprocessados em cantinas, restaurantes universitários e ambientes de convivência.
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